Autor : Adilio Marcuzzo Junior (25/12/2022)



Há alguns anos atrás, escrevi o artigo intitulado “CTM X SRM : Você Sabe a Diferença ???” que trazia a seguinte interpretação da legislação aeronáutica:

 

“É muito importante que os inspetores saibam que a responsabilidade legal pela qualidade do serviço executado em uma aeronave é totalmente deles. Nenhum funcionário de uma seção de SRM tem qualquer responsabilidade legal caso algum item de manutenção programada vencido não seja incluído na ordem de serviço durante uma IAM. Por isso, é dever do inspetor conhecer os capítulos 4 e 5 dos manuais de manutenção das aeronaves e nossa legislação aeronáutica e verificar se o programa de manutenção da aeronave está sendo corretamente atualizado pela empresa onde ele exerce a função de inspetor designado. Lembrem-se que : conforme descrito no RBHA 43 o inspetor é o responsável pelo retorno ao serviço de uma aeronave e, no caso de uma IAM, isto significa confirmar que a aeronave está cumprindo todos os requisitos de aeronavegabilidade. Quanto à documentação gerada após a realização das tarefas de manutenção são os nomes e assinaturas do mecânico e do inspetor que estarão registrados nas fichas de inspeção, ordens de serviço e nos registros de cadernetas, portanto, não há vínculo do pessoal da Seção de Registro de Manutenção (SRM) com a qualidade do serviço executado ou erros em registros na documentação da aeronave.”

 

Após e edição daquele artigo, tanto o RBHA 43 e RBHA 145 foram atualizados conforme os novos textos dos FAR 43 e FAR 145 e receberam a denominação atual: RBAC 43 e RBAC 145.

 

Com a emissão do RBAC 145, as definições de cada função do pessoal de manutenção foram estabelecidas, pela ANAC, conforme as parágrafos abaixo:

 

145.153 Requisitos do pessoal de supervisão

(b) Cada supervisor deve:

(1) se vinculado a uma organização de manutenção localizada no Brasil, ser habilitado de acordo com o RBAC 65; (Redação dada pela Resolução nº 610, de 23.02.2021)

 

145.155 Requisitos do pessoal de inspeção

(d)-I Todo o pessoal de inspeção diretamente relacionado com as atividades de manutenção, manutenção preventiva ou alteração, se vinculado a uma organização de manutenção localizada no Brasil, deve ser habilitado de acordo com o RBAC 65, ou conforme critério estabelecido pela ANAC. (Redação dada pela Resolução nº 610, de 23.02.2021)

 

145.157 Pessoal autorizado para aprovar um artigo para retorno ao serviço

(a) Cada organização de manutenção certificada localizada no Brasil deve assegurar que cada pessoa autorizada a aprovar um artigo para retorno ao serviço conforme o certificado de organização de manutenção e suas especificações operativas esteja habilitada de acordo com o RBAC 65. (Redação dada pela Resolução nº 610, de 23.02.2021)

 

Observem que todos estes profissionais tem licença de mecânico de manutenção aeronáutica expedidas conforme os requisitos do RBAC 65.

 

Há outros profissionais descritos no RBAC 145 tais como o Gestor Responsável, o Gestor do Sistema de Gerenciamento de Segurança Operacional e o Responsável Técnico, este último sendo o profissional responsável pelo correto funcionamento do sistema de qualidade da empresa descrito no seu manual organização de manutenção e manual de controle de qualidade, proporcionando treinamento, infraestrutura, ferramentas e demais meios para que os profissionais de manutenção executem seu trabalho em conformidade com as normas dos regulamentos. Mas o responsável técnico não é responsável pela qualidade dos serviços efetuados por mecânicos durante a execução de serviços de manutenção nas aeronaves. Somente mecânicos e inspetores tem a capacidade técnica de realizar e inspecionar estes serviços com a qualidade desejada. Mas a qualidade desejada significa o trabalho manual realizado na aeronave e o conhecimento de toda a regulamentação de manutenção de aeronaves. Não há como separar estas duas tarefas, conforme exigem os regulamentos. Somente técnicos assinam documentos de realização de tarefas de manutenção e deles é a responsabilidade legal pela execução, inspeção e retorno ao serviço de um artigo aeronáutico. A partir do momento em que um mecânico conseguiu seu CHT, a ANAC já considera o mesmo capacitado para ler e interpretar toda a regulamentação aeronáutica referente a sua habilitação. As perguntas que se fazem necessárias são:

 

 

- Os mecânicos sabem disto?

 

 

- A formação inicial do mecânico e o treinamento do pessoal de manutenção, requerido pela                 IS 145-010 está, realmente, qualificando os profissionais descritos no RBAC para assumirem, integralmente, a função de inspetor e retorno ao serviço que, pela legislação ainda é função exclusiva destes? Ou estamos colocando a carreira destes profissionais nas mãos de outros que, mesmo possuindo o conhecimento necessário, não assumem nenhuma responsabilidade legal pelo trabalho que executam?

 

Quando menciono o conhecimento de legislação quero dizer tudo o que um profissional de manutenção deve saber para gerar, interpretar e assinar todos os documentos necessários a garantir a aeronavegabilidade de uma aeronave, tais como, requisitos de regulamentos, fichas de inspeção, boletins de serviços, diretrizes de aeronavegabilidade, FCDA, formulários SEGVOO-001 e SEGVOO-003, CVA, etiquetas, interpretação de planilhas e programas de manutenção como o CAMP Systems e Traxxall, conhecimento dos capítulos 4 e 5 dos manuais de manutenção de fabricantes, etc.

 

Tudo isto deve estar presente no programa de treinamento do pessoal de manutenção de uma organização de manutenção, requerido pela IS 145-010:

 

5.1.4.1 - A finalidade do programa de treinamento, tanto o inicial quanto o recorrente, é de assegurar que as pessoas da OM que executam Função de Manutenção sejam capazes de executar as tarefas designadas, em atendimento à seção 145.163 do RBAC 145. Entende-se tarefa designada como aquela atribuída à pessoa pela OM detentora de autorização para sua execução.

 

Lembrando que planilhas, mapas e relatórios com o programa de manutenção de uma aeronave não devem ser elaborados pelo CTM X SRM ou quaisquer outros profissionais de organizações de manutenção, são documentos de registros secundários (não devem ser assinados) e são elaborados, estritamente, pelos operadores de aeronaves conforme os requisitos dos RBAC 91.417 e 135.149. Não há nenhum requisito do RBAC 145 que obrigue uma organização de manutenção a executar CTM para um operador. Mesmo cobrando por um serviço de CTM, os RBAC 91.403 e 135.413, por exemplo, são bem claros com relação a responsabilidade do operador:

 

91.403 Disposições gerais

(a) O operador ou, na falta deste, o proprietário de uma aeronave é o responsável pela conservação dessa aeronave em condições aeronavegáveis, incluindo o cumprimento do RBAC nº 39.

 

135.413  Responsabilidade pela aeronavegabilidade

(a) O detentor de certificado é primariamente responsável pela aeronavegabilidade de suas aeronaves, incluindo células, motores, hélices, rotores, equipamentos e partes, deve manter suas aeronaves de acordo com este Regulamento e deve reparar os defeitos ocorridos entre as manutenções requeridas pelo RBAC nº 43.

A organização de manutenção não é responsável pela aeronavegabilidade de uma aeronave enquanto esta estiver sendo operada pelo seu proprietário, ou seja, o planejamento da manutenção de uma aeronave é responsabilidade única do operador.

 

O pessoal de CTM X SRM, é considerado, pela autoridade de aviação civil, como o pessoal de administração que dá apoio aos profissionais de manutenção sejam estes mecânicos, inspetores ou pessoal de aprovação para retorno ao serviço de algum artigo. Dar apoio significa trabalhar em conjunto com o pessoal técnico, com o objetivo de zelar pela segurança de uma pessoa que utiliza uma aeronave com relação a qualidade do serviço executado em uma organização de manutenção ou operador aéreo. Cabe observar que os termos CTM e SRM não são descritos no RBAC 145.

 

Muitos profissionais de CTM X SRM estão, há anos, solicitando que a autoridade de aviação civil reconheça sua atividade, colocando esta função nos RBAC 43 e RBAC 145. Considero ser um grande passo a ser, profundamente pensado, pois, no futuro, os mesmos seriam responsabilizados legalmente, no caso de incidentes e acidentes aeronáuticos envolvendo falhas nas atividades de manutenção. Uma vez que o profissional de CTM X SRM seja reconhecido pela regulamentação, sua assinatura deve constar de toda a documentação gerada durante os serviços de manutenção de uma aeronave, compartilhando, assim, com o profissional de retorno ao serviço, a responsabilidade pela qualidade dos serviços executados.

 

Neste caso, a etiqueta de registro de retorno ao serviço deveria ter duas assinaturas: a do inspetor responsável pelo retorno ao serviço e a do profissional de CTM X SRM que preparou a documentação da aeronave junto com este inspetor.

 

O pessoal de CTM X SRM estariam dispostos a assumir esta responsabilidade legal que poderia implicá-los em processos judiciais em caso de acidente aeronáutico?

 

O gestores responsáveis por organizações de manutenção estariam dispostos a pagar melhores salários para este pessoal com uma mudança na regulamentação que tornaria estes profissionais  responsáveis pelos seus atos perante a autoridade de aviação civil?

 

Infelizmente, ainda estamos carentes de edições de literaturas especializadas em regulamentação aeronáutica que possam ajudar mais profissionais de manutenção e CTM na realização de suas atividades cotidianas e, considero que mais livros ou artigos técnicos, devam ser escritos visando a correta interpretação das leis e regulamentos e não conforme interesses individuais que possam afetar a segurança de voo e prejudicar a carreira de um profissional de manutenção aeronáutica. Por isto, tenho dado minha contribuição, editando artigos e livros que visam contribuir com a melhoria de treinamentos, a elevação do nível de conhecimento de profissionais na área de manutenção aeronáutica e o aumento dos níveis de segurança de voo.

 

ANAC = Agência Nacional de Aviação Civil

 

CTM = Controle Técnico de Manutenção

 

CVA = Certificado de Verificação de Aeronavegabilidade

 

FCDA = Ficha de Cumprimento de Diretrizes de Aeronavegabilidade

 

RBAC = Regulamento Brasileiro de Aviação Civil

 

RBHA = Regulamento Brasileiro de Homologação Aeronáutica (atual RBAC)

 

SRM = Seção de Registro de Manutenção