Autor : Adilio Marcuzzo Junior (26/12/2018)
Nossa legislação aeronáutica é baseada nos Federal Aviation Regulations (FAR) dos Estados Unidos, conforme já foi abordado em outros artigos deste site. O grande problema disto é que, às vezes, nossa Autoridade de Aviação Civil tenta “tropicalizar” nossa regulamentação com pitadas de regulamentos europeus e remendos criados aqui mesmo sem se importar se o usuário ou mesmo seus membros vão saber interpretar, corretamente, o que ficou escrito no resultado final desta “colcha de retalhos” regulatória.
Como estamos esperando sem sucesso, desde 2005, época da criação da ANAC, algumas respostas que solucionem algumas dúvidas de interpretações dos regulamentos, vamos tentar descomplicar e explicar o que a ANAC já deveria ter feito, por meio das Instruções Suplementares, para sanar dúvidas de operadores e mecânicos com relação a alguns pontos ainda obscuros sobre as limitações de um profissional de manutenção autônomo :
1 - O QUE É UMA INSPEÇÃO DE 50 HORAS ?
Ainda não definida na regulamentação, ao contrário da inspeção de 100 horas, cujo escopo está definido no Apêndice D do RBAC 43. Algumas atividades de retorno ao serviço, efetuadas por mecânicos autônomos conforme o RBAC 43.7, estão limitadas a tarefas equivalentes a inspeções de 50 horas previstas nos programas de manutenção de aeronaves. Vejamos:
43.7 (b)(2) - Pessoas autorizadas a aprovar o retorno ao serviço de um artigo após manutenção, manutenção preventiva, reconstrução e alteração
aeronaves submetidas a inspeções de até 50 horas previstas no programa de manutenção do fabricante ou num programa aprovado de inspeções progressivas e ações corretivas com o MESMO NÍVEL DE COMPLEXIDADE, desde que essas aeronaves não estejam vinculadas a uma empresa que opere segundo o RBAC 121 ou 135;
2 - O QUE SIGNIFICA O TERMO “MANUTENÇÃO COMPLEXA” ?
Este termo vem da regulamentação da EASA Part M e não está explicado em nenhum regulamento ou Instrução Suplementar emitidos pela ANAC. Colocar este termo em nossa regulamentação comprova o nível de desconhecimento do FAR 43 quanto aos requisitos do Apêndice A43.1(c) - Manutenção Preventiva
3 - O QUE É MANUTENÇÃO PREVENTIVA ?
Esta sim, está definida no RBAC 1.1 - Definições :
Manutenção preventiva significa uma operação de preservação simples ou de pequena monta, assim como a substituição de pequenas partes padronizadas que não envolva operações complexas de montagem e desmontagem.
Teoricamente, significam aquelas tarefas simples, listados no RBAC 43, Apêndice A43.1(c) que o mecânico, possuidor de licenças válidas e o curso do produto aeronáutico, pode executar utilizando uma caixa de ferramentas e o manual de manutenção, sem estar vinculado a nenhuma empresa certificada conforme os RBAC 91, 121 ou 135.
4 – POSSO REGISTRAR O CUMPRIMENTO DE UMA DIRETRIZ DE AERONAVEGABILIDADE, BOLETIM DE SERVIÇO, ALTERAÇÃO OU REPARO COMO MECÂNICO AUTÔNOMO ?
Eis que surge a IS 39-001 Revisão B e... ???
Ao invés de esclarecer estas dúvidas, complica ainda mais o entendimento do RBAC 43, quando estabelece regras de cumprimento de diretrizes, alterações e reparos que contradizem os parágrafos 43.3, 43.9 e 43.11. Vejamos :
5.10 Incorporação de uma DA
5.10.1 Incorporar uma DA é o mesmo que estar em conformidade com os requisitos estabelecidos no texto de uma DA e pode significar desde a simples substituição de páginas afetadas de um AFM (tarefa que não se caracteriza como manutenção) a complexas tarefas de manutenção.
Quem pode executar estas tarefas se não são consideradas como manutenção ? Pilotos é claro, mas podem ser consideradas tarefas de manutenção, com certeza. Lembrem-se que o RBAC 43 refere-se a MANUTENÇÃO, MANUTENÇÃO PREVENTIVA, RECONSTRUÇÃO E ALTERAÇÃO e o cumprimento de uma diretriz sempre foi e será uma atividade de manutenção que pode ser cumprido por um piloto, neste caso.
5.10.2 Exceto como previsto nos subparágrafos 5.10.3, 5.10.4 e 5.10.5, operadores devem recorrer a uma Organização de Manutenção de Produto Aeronáutico - OM, certificada em conformidade com o RBAC 145 e com o modelo de sua aeronave, motor, hélice ou componente (conforme a aplicabilidade da DA) listados em suas EO, para realizar as ações requeridas por uma DA
Quer dizer, então, que as atividades de um mecânico autônomo, descritas no RBAC 43, parágrafos 43.3, 43.9 e 43.11 não são levadas em consideração por esta IS no cumprimento de diretrizes de aeronavegabilidade ? O texto comete uma ilegalidade ao suprimir as prerrogativas de um mecânico de executar, registrar e retornar ao serviço o cumprimento de uma diretriz de aeronavegabilidade, boletim de serviço ou alterações e reparos previstos naquele regulamento, pois estas tarefas são classificadas como MANUTENÇÃO, MANUTENÇÃO PREVENTIVA E ALTERAÇÃO.
É logico que um mecânico autônomo somente irá realizar diretrizes ou boletins de serviço que ele tenha capacidade de executá-los e quando não precisar de uma infra-estrutura de empresa certificada pelo RBAC 145, por exemplo, para cumprir estas tarefas. Seria um absurdo um operador ser obrigado a gastar milhares de reais para levantar voo e seguir até uma oficina para registrar que uma diretriz de aeronavegabilidade ou boletim de serviço que não são aplicáveis ou que a incorporação dos mesmos é realizar uma inspeção visual simples de fácil acesso a área afetada, uma vez que ele tenha um mecânico autônomo que possa realizar o registro desta diretriz ou boletim.
CONCLUINDO :
1) O termo “MESMO NÍVEL DE COMPLEXIDADE” dever ser eliminado do RBAC 43, pois já temos uma terminologia baseada no FAA FAR part 43 que define manutenção de pequena complexidade, ou seja, a “MANUTENÇÃO PREVENTIVA”. Mesma coisa para a restrição baseada na inspeção de 50 horas que não existe na regulamentação e está citada no RBAC 43.7 (retorno ao serviço), mas não no RBAC 43.3 (execução de serviços). Como um mecânico pode executar, mas não pode aprovar uma tarefa mais “complexa” do que uma inspeção de 50 horas ?
2) MANUTENÇÃO e INSPEÇÃO são conceitos totalmente diferentes criados pela FAA e que não podem se misturar, portanto, falar em tarefas de manutenção, alteração ou reparos de “complexidade equivalentes” a inspeções de 50 ou 100 horas demonstra clara falta de conhecimento de quem “remendou” o texto do atual RBAC 43.
3) Alterações nos parágrafos 5.10.1 e 5.10.2 da IS 39-001 Rev B se fazem necessárias para que estejam em conformidade com regulamentos aplicáveis, pois uma Instrução Suplementar nunca pode contradizer um regulamento ou uma lei.