Autor : Adilio Marcuzzo Junior (17/04/2010)
Neste mês de abril a ANAC (Agência Nacional de Aviação Civil) disponibilizou, em seu site (http://www.anac.gov.br/transparencia/audienciasPublicasEmAndamento.asp), a consulta pública referenta à emissão dos novos RBAC 43 e RBAC 145, confesso que, pela primeira vez, em meus vinte e quatro anos de experiência na atividade de manutenção de aeronaves vou pensar duas vezes antes de voar uma aeronave mantida por empresas homologadas pela ANAC que prestam serviços de manutenção em aeronaves se parte do conteúdo destas regras forem aprovadas por este órgão da maneira como estão disponibilizadas em seu site.
Se o texto destes RBAC forem aprovados da maneira como estão escritos na audiência pública, a ANAC será a responsável, na minha opinião, por decretar a falência e destruição de todo o sistema de qualidade de manutenção aeronáutica implementado pela FAA (Federal Aviation Administration) e pelo antigo DAC (Departamento de Aviação Civil) ao longo de anos de trabalho árduo realizado por estes dois departamentos uma vez que nossa legislação está baseada, também, na legislação americana.
Estou me referindo ao parágrafo 43.7 do novo RBAC 43 e ao Apêndice A do novo RBAC 145 que revisaram as responsabilidades dos responsáveis técnicos de empresas de manutenção de aeronaves.
Quando a FAA criou o FAR 43 ela estabeleceu regras muito claras e definiu responsabilidades e qualificações referentes aos profissionais responsáveis por executar e aprovar o retorno ao serviço de uma aeronave em condições seguras de realizar um vôo, ou seja, em condições aeronavegáveis (vide FAR 43, parágrafos 43.3 e 43.7). Estas regras estão bem claras em nosso RBHA 43 atual, porém foram deturpadas no RBAC 119, onde profissionais não preparados estão aprovando aeronavegabilidade de aeronaves que são operadas conforme os RBAC 135 e 121 após a realização de tarefas de manutenção. Comparem o FAR 119 capítulos 119.67(c), 119.67(d) e 119.71(e) e o RBAC 119, capítulos 119.67(d), 119.67(e) e 119.71(e). Na legislação americana somente inspetores podem atestar aeronavegabilidade de aeronaves operadas por empresas certificadas pelo FAR 119 e, no Brasil, engenheiros e tecnólogos sem qualificações como inspetores podem assumir esta função em detrimento da segurança de vôo.
Com a criação do RBAC 43 e do RBAC 145, a ANAC pretende transferir a autoridade do inspetor de decidir pelo retorno ao serviço de um produto aeronáutico após realização de serviço de manutenção para outro profissional, como é o caso de tecnólogos e engenheiros que não sejam inspetores designados. Isto afetaria drasticamente a qualidade dos serviços, pois, a carreira de inspetor exige que ele seja submetido a cursos de familiarização de aeronaves e seus componentes, experiência de sete anos em manutenção de aeronaves, habilitações específicas nos sistemas de aeronaves, treinamento práticos (“on the job training”) que não são requisitos da atividade de tecnólogos e engenheiros. Além disso, existe uma outra característica inerente ao inspetor : a sensibilidade de analisar a condição de uma máquina utilizando os sentidos do olfato, tato, visão e audição que são muito mais apurados neste profissional do que em qualquer outro.
Inspetores devem acompanhar a manutenção de uma aeronave desde o momento em que se inicia os serviços de manutenção até o fechamento da ordem de serviço que liberou a aeronave para vôo e sabemos que nossa legislação permite que o responsável técnico represente até três empresas ao mesmo tempo trabalhando em dias e horários diferentes em cada uma delas o que comprovaria que seria impossível para ele estar presente em todo o processo de manutenção de cada aeronave. Imaginem vinte aeronaves em manutenção ao mesmo tempo em cada uma das três empresas pelas quais ele assina como responsável. Dependendo do volume de serviço e complexidade da inspeção sendo executada em uma aeronave somente inspetores acompanhando a realização das tarefas de manutenção podem garantir a qualidade do serviço efetuado e atestar a aeronavegabilidade da aeronave. Na maioria das ocasiões são necessários vários inspetores trabalhando ao mesmo tempo para garantir que as tarefas de manutenção sejam efetuadas de maneira correta e sabemos que na maioria das empresas, cuja legislação obriga que o responsável técnico seja um tecnólogo ou engenheiro, existe somente um profissional destes que tenha carteira assinada como funcionário (RBAC 145.153), alguns nem funcionários são sendo admitidos por contrato firmado entre a empresa e este profissional. Vejam que para mecânicos e inspetores é obrigatória a carteira de trabalho visto a importância de suas funções e as consequências legais em caso de acidente aeronáutico ocasionado por imperícia ou negligência de um funcionário de uma empresa de manutenção aeronáutica ou empresa de transporte aéreo.
O CREA e órgãos representativos de profissionais de engenharia e tecnologia devem levantar suas vozes contra esta aberração regulatória, pois, a ANAC está imputanto a estes profissionais uma responsabilidade desnecessária que pode gerar condenações criminais em caso de processos movidos após acidentes aeronáuticos sem que este profissional tenha capacidade de se defender, pois, ele não terá condições de responder perguntas básicas sobre o trabalho realizado na aeronave que ele tenha “aprovado para retorno ao serviço” a um juiz ou promotor.
ENTENDAM QUE NÃO FOI O RESPONSÁVEL TÉCNICO QUEM REALIZOU A INSPEÇÃO E TEM A CERTEZA DE QUE A AERONAVE ESTÁ EM CONDIÇÕES DE VÔO !!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!
SOMENTE UM INSPETOR TEM PREPARO TÉCNICO E EXPERIÊNCIA ADQUIRIDA AO LONGO DE ANOS DE SERVIÇO PARA ATESTAR ESTE RETORNO EM REGISTROS PRIMÁRIOS DE MANUTENÇÃO E DEVE ESTAR LEGALMENTE AMPARADO PARA ISTO !!!!!!!!!!!!!!!!!!!!
ESTA FOI A RAZÃO DA CRIAÇÃO DESTA FUNÇÃO NO SISTEMA DE AVIAÇÃO CIVIL E ELE, SOMENTE ELE, DEVE SER RESPONSABILIZADO PELO RETORNO AO SERVIÇO. PUNIR OUTRO PROFISSIONAL NÃO PREPARADO PARA ESTA FUNÇÃO, EM CASO DE ACIDENTE, É DEGRADANTE, É DESUMANO !!!!!
Seria inimaginável, o “fim do mundo”, pensar que um funcionário da ANAC, que não seja um inspetor de manutenção aeronáutica, fizesse vistorias e aprovasse o retorno ao serviço de uma aeronave. Profissionais aprovados no concurso da ANAC que não têm formação na área aeronáutica somente realizam tarefas administrativas internas nos escritórios da ANAC, não têm competência, experiência ou aprovação legal para efetuar vistorias em aeronaves. O inspetor é o médico de sua aeronave, ele edita as receitas (procedimentos de manutenção) e decide o medicamento ou cirurgia (correção de discrepâncias) que serão aplicados em seu paciente (aeronave) e dá alta (aprova para retorno ao serviço) ao seu paciente (aeronave). Você deixaria a saúde de seu filho ser avaliada pelo gerente administrativo de um hospital ao invés de um médico qualificado ? Ou seja, você operador/proprietário permitiria que um profissional não qualificado aprovasse o retorno ao serviço de sua aeronave ? É por isso que no Brasil, Estados Unidos e Europa quem realiza vistorias de aeronaves são inspetores de manutenção qualificados, ou seja, mecânicos de manutenção aeronáutica com anos de experiência que são os únicos profissionais capacitados para realizar esta função.
Já que estamos falando em aberrações de nossa legislação vou comentar outros casos :
- No atual RBHA 43, capítulo 43.7 o mecânico de manutenção de aeronaves não é mencionado como profissional apto a aprovar retorno ao serviço de um produto aeronáutico e na IAC 3152, parágrafos 5.5(h) e 5.7(i) ele for obrigado a desacatar um regulamento e assinar etiquetas atestando, com o inspetor, o retorno ao serviço contradizendo os requisitos do capítulo 43.7 do RBHA 43. Somente a assinatura de um inspetor deveria ser necessária nos registros de cadernetas de célula, motores e hélices. Exigir duas assinaturas em etiquetas de cadernetas mostra o atraso e a burocracia inúteis característicos de nosso país.
- A mesma crítica faço à obrigatoriedade de assinaturas de vários profissionais nas FCDA (IAC 3142), DIAM, FIAM e FIEV (IAC 3108), LV e RCA (IS 21.181-001B), entre outros. Por que não foram exigidas várias assinaturas no formulário SEGVÔO-003 citado na IAC 3149 ? A resposta é lógica : baseado no requisito do atual RBHA 43.7 somente um inspetor pode aprovar o retorno ao serviço de um produto aeronáutico e com a nova regra do RBAC 43 qualquer profissional desqualificado para isto poderá assinar este formulário. Que loucura, quanta falta de padronização que gera dúvidas e erros dos profissionais no momento de assinar documentação de retorno ao serviço de produtos aeronáuticos !!!!!!
- Outra regra que infringe o atual RBHA 43, parágrafo 43.7 é o RBHA 91, parágrafo 91.423(e)(1). É a autoridade de aviação civil criando regras em um regulamento que contradizem regras de outro regulamento que ela mesma editou. Imaginem a confusão e o perigo em termos de requisitos jurídicos a que estão submetidos engenheiros que assinaram fichas de pesagem e balanceamento de aeronaves uma vez que estão infringindo o parágrafo 43.7 do RBHA 43, pois, não são inspetores e somente podem assinar o formulário SEGVÔO-001 e o formulário F-200-06, conforme requisito do parágrafo 43.7(f) do atual RBHA 43 e parágrafo 43.7(j) do novo RBAC 43.
Mais uma observação sobre o novo RBAC 145 e uma pergunta para a ANAC : os senhores pensam que o empresário brasileiro está nadando em dinheiro ? Querem ser responsáveis por falências e diminuição de empregos na aviação civil ? Existem empresas muito ricas, mas outras sofrem todos os meses para conseguir pagar os altíssimos tributos cobrados pelo governo e todos os custos fixos e variáveis inerentes à sua atividade e os senhores agora vão obrigá-las a contratar um novo profissional chamado “Administrador Responsável” ou os senhores pensam que um responsável técnico tem tempo de atuar, sozinho, como inspetor e “Administrador Responsável” e verificar todas as aeronaves em manutenção e ainda cuidar do PPRA (Programa de Prevenção de Risco Ambiental), Manual da Organização de Manutenção (MOM), Manual de Controle de Qualidade (MCQ), licença da CETESB, licença do corpo de bombeiros, treinamento e manual de CRM (IAC 060-1002), segurança no trabalho de funcionários, treinamento em legislação aeronáutica (IAC 145-1001) e em produtos aeronáuticos para funcionários, política de segurança operacional, etc., etc., etc. ? Estas são atividades inerentes ao responsável técnico e não o retorno ao serviço de produtos aeronáuticos ou a ANAC quer que este profissional acumule mais uma obrigação sem necessidade e que em nada contribuirá para aumentar o nível da segurança de vôo ? Pelo contrário, criará mais profissionais estressados que cometerão mais erros e a nós profissionais de manutenção aeronáutica cometer erros não é permitido !!! (leiam o artigo "Responsabilidade Técnica - Você Está Preparado Para Assumir Esta Função ?" na seção "Artigos" deste site e conheçam mais detalhes sobre os requisitos desta função).
O que falta agora é a ANAC estabelecer que o representante credenciado de aeronavegabilidade previsto na Resolução 69 de 15/01/2009, parágrafo 7.4.1, seja um profissional de nível superior sem a qualificação de inspetor e impeça inspetores de serem indicados para esta função, isto seria o golpe final para a morte do sistema de qualidade da aviação brasileira no que se refere à atividade de inspeção de aeronaves.
Que Deus ilumine as mentes pensantes daqueles que gerenciam nosso sistema de aviação civil e proteja os passageiros que utilizam aeronaves mantidas em nosso país !!!